Programa amplia acesso à água de boa qualidade no Nordeste

Fundação BB aplicou, entre 2005 e 2007, R$ 2,8 milhões na implantação e recuperação de dessalinizadores em 5 estados

Brasília, 4 - Na estrada de terra de 25km que liga Campina Grande ao Sítio Açude de Dentro, a jovem que carrega uma lata d’água na cabeça e outra menor nas mãos surge, de repente, como se saísse da poeira levantada pelo carro. Rosália Tertuliano Pereira, 20 anos, é apenas a primeira de muitas mulheres que serão vistas por ali na manhã de uma sexta-feira ensolarada e quente.

O chafariz é a grande atração do povoado naquele dia e, onde se juntam crianças, jovens, homens e idosos. Ninguém tira o olho da água que escorre de três bicas, enchendo os recipientes que serão levados para casa em carro de mão, lombo de jumento, bicicleta, moto ou na cabeça das mulheres.

Maria do Socorro da Silva, 35, é outra delas. Apesar dos problemas cardíacos, sobra para ela o serviço mais pesado da casa. O marido trabalha na roça e sai de casa às 4h da manhã, para voltar somente à noite.

O líquido cristalino que todos querem recebe um adjetivo que define sua importância para as cem famílias que moram no Sítio Açude de Dentro. É, também, o nome do programa que o faz existir: Água Doce. “É a felicidade da gente”, garante Josefa Matilde de Oliveira, 74 anos.

Investimentos - Por meio do Programa Água Doce, sistemas de dessalinização estão sendo instalados ou recuperados em comunidades difusas do semi-árido brasileiro. Coordenada pelo Ministério do Meio Ambiente por meio da Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano, a ação do governo federal conta com investimentos sociais da Fundação Banco do Brasil.

Entre 2005 e 2007, a instituição aplicou R$ 2,8 milhões para implantar ou recuperar dessalinizadores nos estados de Alagoas, Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe. Na Paraíba, um diagnóstico apontou 35 sistemas passíveis de conserto. Destes, 17 já estão funcionando.

O objetivo do Água Doce é o estabelecimento, de forma social e ambientalmente sustentável, de uma política pública permanente de acesso à água de boa qualidade para consumo humano, voltada às populações de baixa renda.

O sítio Açude de Dentro recebeu um sistema simples que produz 500 litros de água boa por hora. Sua estrutura inclui poço tubular profundo de onde a água salgada é bombeada para um reservatório da água bruta que será dessalinizada. O equipamento é montado em um abrigo. Depois de ser filtrada por três membranas, passa para o reservatório de água potável e é fornecida para a população no chafariz. O rejeito do processo, o concentrado, vai para tanques de contenção, onde passa pelo processo de evaporação.

Mobilização social - “Em respeito ao meio ambiente no lugar de ser liberado a céu aberto, contaminando o lençol freático, o rejeito é mantido armazenado. No inverno, é diluído pela chuva e, então, é feita uma descarga de fundo”. A técnica foi desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Semi-Árido), de Petrolina (PE).

Quando passa pelo sistema de dessalinização, a água do poço fica livre de qualquer impureza. “Ao ser transportada ou armazenada é que sofre riscos de contaminação. Mas a equipe de mobilização social orienta as famílias sobre como manuseá-la e, periodicamente, são feitas analises físico-químicas e bacteriológicas por laboratórios credenciados pelo programa”, explica o coordenador estadual do Água Doce, Isnaldo Cândido da Costa.

Na prática, Rosália sabe o que as palavras do gestor significam. “Agora, melhorou 100%. Eu confio na água. A gente bebe dela e não tem problema de saúde.”

Já para Josefa bom mesmo seria poder tomar banho com aquela água boa para não ficar com a pele esbranquiçada e o cabelo ressequido pelo sal. Mas no Água Doce as prioridades são outras. “A água é exclusivamente para beber, cozinhar e dar banho em recém-nascidos”, explica Isnaldo.

Guardião - Além da forma com que a água pode ser utilizada, no Sítio Açude de Dentro o acordo coletivo de gestão que antecedeu a ativação do dessalinizador definiu a quantidade a que cada pessoa tem direito. São entre 20 e 40l de água, retirados três vezes por semana. Os outros são reservados para a manutenção realizada pelo operador do sistema, Adriano Fábio de Araújo Silva, 31 anos e neto de Josefa.

Morador da comunidade, ele diz que saber ler e escrever um pouco. O trabalho na lavoura abriu espaço para que ele seja uma espécie de guardião do dessalinizador, função para a qual foi capacitado. Por mês, Adriano recebe um salário mínimo, pago pela Prefeitura de Campina Grande, parceira do programa.

Na gestão do Água Doce, o item mobilização social é considerado como o diferencial do programa. “O que a gente quer é que a comunidade absorva o equipamento como sendo dela e leve o programa com seriedade”, afirma o pesquisador da Embrapa Semi-Árido Everaldo Rocha Porto.

A preocupação com a mobilização social se justifica pelo fato de os dessalinizadores, comuns no semi-árido brasileiro, terem sido historicamente relegados pelos usuários que não tinham identificação com o equipamento. No início da década de 80, a própria Fundação Banco do Brasil investiu na aquisição de cerca de 1,5 mil equipamentos, instalados no semi-árido brasileiro.

Unidades demonstrativas - “Muitas comunidades abandonaram os dessalinizadores, pois não conseguiam arcar com os custos de sua manutenção, nem recebiam capacitação para isso. Agora, o Água Doce ganhou o respeito de todos que entenderam a importância da água boa para a qualidade de vida”, explica o presidente da Fundação Banco do Brasil, Jacques Pena.

Também faz parte do Programa Água Doce a instalação de unidades demonstrativas. Nele, além do sistema simples de dessalinização, a água passa para uma segunda etapa, na qual o efluente é utilizado para cultivar tilápia em tanques. No terceiro momento, o concentrado dessa criação, rico em matéria orgânica, é aproveitado para irrigar a erva-sal (Atriplex nummularia), por sua vez utilizada na produção de feno para alimentar ovelhas e cabras.