Bem mais que gestores de projetos sociais

No Amapá, Fundação Banco do Brasil investe no protagonismo social, sustentabilidade e autonomia de povos indígenas

Brasília, 5 - Em Macapá/AP, 30 jovens de  nove  diferentes comunidades do estado se reúnem, a cada dois meses, no salão do Centro Vida Nova, Rodovia Juscelino Kubistchek. Atenção é o tom desses encontros, onde aprendem conceitos e ferramentas para se tornarem gestores de projetos sociais. A dinâmica da formação é teórico-prática e, após os estudos, a ordem é validar o conhecimento adquirido. Comprometido, o grupo retorna às suas comunidades para, tempos depois, voltar a se reunir.

Esses jovens são índios, vivem em terras indígenas do estado e representam os povos Palikur, Karipuna, Tiriyo, Galibi, Marwomo, Wayana, Kaxuyana, Apalai e Wajãpi. Todos são alunos do curso de Formação de Gestores Indígenas, realizado pela Associação dos Povos Indígenas Tiriyo, Kaxuyana e Txiküyana (Apitikatxi).

“Os custos são muito altos,  e  tivemos que buscar contrapartidas. A Fundação Banco do Brasil entrou como um  dos  nossos parceiros”, explica Silvânia Gomes de Mello, coordenadora administrativa da Apitikatxi. O Programa Demonstrativo dos Povos Indígenas do Ministério do Meio Ambiente, o Programa Integrado de Ações Sócio Ambiental da Amazônia Oriental e a Associação dos Povos indígenas Waiapi do Triângulo do Amapari são os demais parceiros.

Jorge Streit, diretor executivo da Fundação Banco do Brasil, conta que, desde 2003, a  Instituição prioriza ações voltadas para assentados da reforma agrária, catadores de materiais recicláveis, quilombolas e povos indígenas. Para ele, protagonismo e sustentabilidade são as palavras-chaves do curso de formação de gestores, que conta  com o investimento social da Fundação de R$ 85 mil. “O projeto cria condições para que esses povos caminhem com as próprias pernas”, avalia.

Na opinião de Juventino Pesirima Kaxuyana, presidente da Apitikatxi, a formação responde aos anseios do movimento indígena local e nacional. “É uma oportunidade de apreender as ferramentas complexas do mundo dos não-índios e adaptar isso para nossas realidades. As comunidades indígenas se tornam menos dependentes e aos poucos conquistam autonomia”, declara a liderança. Ele acredita que, apesar das dificuldades, o curso  tem sido bem aceito e aproveitado pelos jovens.

Interculturalidade - E não são poucas as dificuldades desses estudantes, a começar pela  maior delas, a realidade intercultural local. “Alguns falam melhor o francês ou o holandês que o português, já que vivem em regiões fronteiriças e convivem mais com essas línguas. Também há aqueles que só falam a língua materna”, esclarece Rita Floramar de Melo, coordenadora pedagógica do curso.

Na compreensão dos conteúdos, o grau de escolaridade é também um fator de impacto, já que nem todos completaram o ensino médio. A essas dificuldades, acrescentem-se as distâncias entre  as aldeias e  a capital do estado - cujo acesso só se dá por transporte aéreo ou fluvial.

Traduções simultâneas e consultorias especializadas são algumas das estratégias para a superação dos obstáculos.  E, lado a lado com o alcance dos desafios, as primeiras idéias começam a surgir. Para o índio galibi marwomo Jorginho Macial dos Santos, 24 anos, o curso  tem sido bem explicado. “O meu desafio é chegar até o fim. Se conseguir, vou trabalhar a favor da minha comunidade sempre”, promete o rapaz que quer fazer um mini-hospital.

Idéias - “O curso está sendo produtivo. As dúvidas são bem esclarecidas e o professor está se esforçando muito, dando várias explicações, várias vezes”, concorda Amiakare Apalai, 31 anos, etnia apalai wayana, que vê na apicultura uma perspectiva de geração de renda em sua comunidade. Já Rondiney Narciso, 21 anos, da etnia palikur, confessa  ter dificuldade com as palavras técnicas, mas também pensa  em desenvolver um projeto de criação de abelhas em sua aldeia. “Eu não falo bem o português, como outras pessoas, mas eu entendo”, faz questão de ressaltar.

Koneddia Kamasiya, 37 anos, etnia tiriyo, e Eduardo Kaxuyana, 24 anos, kaxuyana, fazem coro ao destacar a questão da língua como um desafio. Mas no que se refere à geração de renda para os seus povos, suas atenções estão voltadas para o artesanato. Eduardo está em fase de levantamento de dados em sua comunidade enquanto Koneddia já arrisca uma sugestão de produtos artesanais. “Penso em panelas de cerâmica ou barro”, exemplifica.  

O palikur Edielson Iaparrá, 32 anos,  e o galibi marwomo Diego Pisa Marial, 19 anos, pretendem, respectivamente, trabalhar na formação de agentes ambientais e no fomento da piscicultura. O jovem Diego acredita que a oportunidade é única,  já que, em sua avaliação, só um índio conhece, de fato, a realidade da vida nas terras indígenas. O desafio? “É me superar para aprender coisas novas que, se antes não faziam parte do meu cotidiano, vejo hoje o quanto são importantes para nossas comunidades”, reflete.  

Ensino – A formação está organizada em  cinco  módulos presenciais, em Macapá, e no trabalho de campo, que acontece nas comunidades. “Na aldeia, o aluno pesquisa alternativas que possam ser viabilizadas no futuro”, explica  a  pedagoga Rita. O primeiro módulo (novembro/2008) trabalhou a realidade indígena local, legislação e elaboração de projetos sociais - ou projeto de vida, como é denominado no curso. O segundo módulo (fevereiro/2009) aprofundou conteúdos teóricos e, tendo como base um mapeamento realizado pelos alunos nas aldeias, iniciou a prática de elaboração dos projetos.

O terceiro módulo,  será realizado  neste mês de maio e, além de aprofundar conteúdos anteriores, aborda temas como formulação, apresentação e negociação. O quarto módulo (agosto/2009) vai apresentar implantação, acompanhamento  e  avaliação;  e o quinto módulo (outubro/2009), lições apreendidas e perspectivas dos gestores de projetos. O momento mais esperado acontece em dezembro. “É quando vai  ocorrer  o seminário de apresentação dos projetos desenvolvidos e também a escolha de um projeto-piloto para  ser implementado”, antecipa a coordenadora.

Com a iniciativa, esses brasileiros estão desenvolvendo bem mais que competência em elaborar e gerenciar projetos. Segundo Rita, trata-se,  antes, de uma ação afirmativa, em busca de protagonismo social. “É um trabalho que tem por finalidade maior a alteridade, autonomia e afirmação desses povos”, sintetiza.