Oásis no semi-árido

Tecnologia social recupera nascentes no norte de Minas Gerais e vira política pública

Brasília, 10 – Uma tecnologia social está transformando a realidade no norte de Minas Gerais e fazendo com que veredas, pântanos, nascentes e olhos d’água brotem novamente no semi-árido mineiro.  As Barraginhas, criada pela Embrapa Milho e Sorgo - Sete Lagoas-MG e certificada em 2003 pela Fundação Banco do Brasil, está sendo replicada em escala na região. Luciano Cordoval de Barros, engenheiro agrônomo e criador da técnica, salienta que são inúmeras as frentes de trabalho da Embrapa com barraginhas no semi-árido mineiro, com diferentes parceiros. “Nós levamos o conhecimento, treinamos técnicos, unificamos procedimentos, mas cada região tem seus barrageiros. A barraginha é de domínio público”, diz.

A técnica é simples. São escavados buracos com aproximadamente 16 metros de diâmetro e 1,8 de profundidade. Funcionando como um mini-açude, a bacia armazena a água das chuvas e contêm enxurradas, evitando erosões e enchentes. Gradativamente, as águas armazenadas vão se infiltrando no solo e, como conseqüência, o nível do lençol freático fica mais elevado. Com as baixadas mais úmidas, as águas voltam a brotar no chão. Além de recuperar o nível d’água de lençóis freáticos, a técnica combate danos ambientais.

Luciano conta que as barraginhas estão no centro de um crescente processo de mobilização social em torno das questões ambientais. “Não se trata apenas de ‘cavar buracos’. O comprometimento e a alegria das comunidades envolvidas é impressionante, criou-se uma rede informal”, comenta. Tanto que no município de Cordisburgo, segunda-feira, 27/10, ele coordenou o ‘1º Encontro Mineiro das Barraginhas’, onde 120 lideranças comunitárias locais relataram ganhos sociais e ambientais com a técnica.

Para o agrônomo, o resultado mais impressionante da tecnologia social é a criação de mini-oásis no Vale do Jequitinhonha, a área mais crítica do semi-árido mineiro. O fenômeno pode ser observado no município de Minas Novas, onde cerca de 3 mil barraginhas já foram escavadas. “Quando se faz de 3 a 5 barraginhas no mesmo eixo da enxurrada brota um ‘mini-oásis’ com olhos d’água, água de beber. Dá para plantar hortas e até criar peixe. Ao escavar entre 5 e 8, então, cria-se um mini-pântano, e uma seqüência deles revitaliza o córrego mais próximo”, afirma.

Política Pública – A tecnologia social que está recuperando mananciais mineiros virou política pública. No Programa Plantando Água, realizado pelo Ministério Público, recursos do Fundo Especial do Ministério Público do Estado de Minas Gerais são destinados à construção de barraginhas na região.

Paulo César Vicente de Lima, coordenador regional da Promotoria Especializada da Bacia do Rio São Francisco, fala que a tecnologia social foi escolhida por sua facilidade de implantação e pela rapidez com que está recuperando nascentes e minas da bacia do São Francisco. “Em Montes Claros, depois das barraginhas uma das nascentes do Rio São Norberto, que estava seca há 25 anos, correu novamente”, conta.

Outro exemplo de recuperação ambiental que ele destaca está na região de Januária, nos alagados do Rio Pandeiros, afluente do São Francisco. “ A área é um verdadeiro 'Pantanal Mineiro', um ecossistema único, refúgio e berçário para dezenas de espécies de aves, répteis e peixes ”, comemora.  E como os valores do Fundo são arrecadados com a aplicação de multas, na prática, quem paga a conta é aquele que foi considerado responsável por danos ao patrimônio ambiental. “Resgatamos passivos ambientais e fazemos acordos para produzir água”, explica o cordenador do programa.

Desde 2005, o Plantando Água já escavou cerca de 3 mil barraginhas em Montes Claros, Monte Azul, Gameleiras, Mamonas, São Francisco, São Romão, Santa Fé de Minas, Claro das Poções, Francisco Dumont, Bocaiúva, Januária e em São João das Missões, na reserva indígena Xacriabá. Outras três mil unidades deverão ser escavadas em Olhos D’ Água, São João da Ponte, Varzelândia e Lontra. 

Distribuição desigual - O Brasil detém 60% por cento da bacia amazônica, responsável pela quinta parte do volume de água doce do mundo. Os dados são da Agência Nacional das Águas, que também indica que essa riqueza está distribuída de forma desigual.

No semi-árido, milhares de brasileiros conhecem bem os problemas da escassez ou falta d´'agua. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e de Combate à Fome, o semi-árido é composto por 1133 municípios de estados do nordeste e do norte de Minas Gerais. São cerca de 20 milhões de pessoas, dentre elas 8 milhões na zona rural, que convivem com as altas temperaturas e as duas estações bem distintas da região: a seca e as chuvas.

Degradação ambiental e desmatamento aceleram ainda mais o processo de desertificação da região, de grande diversidade ecológica e cultural. Má distribuição e o escoamento superficial das chuvas são também fatores que contribuem com este quadro de deficiência.