Brasília, DF
14 de Julho de 2008
 

Chapada Gaúcha homenageia centenário de nascimento de Guimarães Rosa

Cenário vivo da obra do escritor, 7ª Encontro dos Povos do Grande Sertão Veredas reuniu artesãos, produtores e personagens, no Noroeste de Minas Gerais

Brasília, 14 – “O Sertão é do tamanho do mundo”. Ao citar Guimarães Rosa, “seu Zezo” se emociona e emociona. O ótimo português é herança do autor, das muitas leituras que fez. Agricultor familiar, fala do sonho de expandir a comercialização de doces de fruto de cerrado, farofa de pequi, mel, favela, farinha de mandioca e açúcar mascavo. Já João Grilo apresenta, com orgulho, a “Folia dos Reis”, manifestação folclórica que mistura danças, encenações, cantorias, violas e trovas. Neste ano, no Natal, será o Imperador, que representa o Menino Jesus, nascido do povo. Estes personagens, que poderiam muito bem ter saído da obra do escritor, fizeram parte do VII Encontro dos Povos do Grande Sertão Veredas, realizado entre 10 e 13 de julho, na Chapada Gaúcha (MG).

O evento é uma iniciativa da Agência de Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável de Chapada Gaúcha (Adisc), da Funatura e da Prefeitura, com parceria da Fundação Banco do Brasil. O encontro, que já se tornou tradição no território do Vale do Rio Urucuia, no noroeste de Minas Gerais, valoriza as manifestações culturais das populações locais, a troca de experiências e o estímulo à comercialização de produtos sustentáveis do cerrado, além de permitir a discussão de políticas públicas que levem ao desenvolvimento sustentável da região.
Vestindo trajes sertanejos e urbanos, mais de 7 mil pessoas participaram do evento, entre curraleiros, batuqueiros, catireiros, foliões, artesões, pequenos produtores rurais e visitantes.

O evento homenageou o primeiro centenário de nascimento de João Guimarães Rosa (1908-1967). No “Corredor da História”, foram expostos documentos antigos, trabalhos infantis, fotografias, textos, móveis e objetos relacionados às tradições do sertão, que caracterizam a história viva da passagem do escritor pela região, como descritas na obra do autor. “Dava até pra morar nesse bichão aqui”, comentou um passante.

Modos de viver e fazer sertanejos - Quem circulou pela praça central da cidade pôde ver, ainda, apresentações musicais e de danças típicas, como a curraleira, a catira e o lundu, que envolvem o sapateado e o toque de instrumentos; mesas-redondas sobre cultura e meio ambiente; exposição de produtos e artesanatos do Sertão Veredas, mostras de comidas típicas, oficinas de arte e ofício, além de exposições de casas e comércios locais.

Os versos das músicas e os temas das danças mostravam a vida, as diversões, as crenças, os trabalhos e o cotidiano das pessoas. Como confirma o folião João Grilo, 58 anos e 12 filhos, muitos cantos surgiram para acompanhar a lida do dia-a-dia e distrair as pessoas no serviço pesado. “Antigamente, um punhado de gente se juntava para cantar em volta do preparo da farinha de mandioca”, conta João, que mora há 43 anos na comunidade de Buraquinho. Hoje, ele diz, “os filhos não aguentam o serviço pesado”, mas aprenderam a cantar as músicas que recontam as histórias da região.

Durante o encontro, os modos de viver e fazer sertanejos podiam ser vistos e ouvidos por toda a parte, especialmente no som das violas e violões. Em contraste, estavam as músicas da moda e os trajes urbanos dos jovens, vestidos com as melhores roupas. Em alguns momentos, era possível ouvir, nos diversos espaços do encontro, simultaneamente, uma cantiga de roda, a música “Asa Branca” de Luiz Gonzaga e o hit forrozeiro “Beber, cair e levantar”. O clima de paquera também estava presente. “Olha que bunitim aquele menino do zoinho redondim”, comentava uma garota na roda de amigas.

Auto-estima – A coordenadora do encontro e secretária do Meio Ambiente e Turismo da Chapada Gaúcha, Meiry Magalhães Gobira, explica que a proposta do evento é valorizar as comunidades tradicionais. “O grande ganho é o fortalecimento da identidade cultural dos grupos existentes e dos laços comunitários. Na primeira edição do encontro, em 2002, as pessoas tinham vergonha de mostrar suas músicas e danças, que consideravam feias.
Hoje, sentem prazer e orgulho, e até são convidados para se apresentarem nas regiões vizinhas”, comemora. “E a divulgação não se dá por TV ou rádio, mas entre amigos, boca-a-boca mesmo”, conta.

Segundo Meiry, o encontro também é uma “boa oportunidade de negócios para os pequenos produtores rurais e artesãos, que utilizam as flores e os frutos da região na elaboração de seus produtos, favorecendo a economia local e a preservação da biodiversidade e do cerrado”.

Exemplo disso é o trabalho desenvolvido pela jovem artesã e pedagoga Keila Fábia Araújo, que coordenou as oficinas de arte do encontro. Ela é da sétima geração da família a fazer do artesanato sua fonte de renda. Por meio do projeto Arte e Sertão, resgata a cultura tradicional do artesanto e inova ao capacitar crianças e jovens para a atividade. “No Encontro dos Povos do Sertão, revivo toda a minha história e aproveito cada momento”, emociona-se.

Geração de Trabalho e Renda – A assessora sênior da Fundação Banco do Brasil, Ângela Dutra Rabelo, participou, no dia 11 de julho, de mesa-redonda sobre “Lixo, Cidadania, e Arte: experiências locais de geração de renda através da reciclagem; Programa Luz para Todos e Geração de Renda”.

A mesa também contou com Kolbe Wombral Soares Santos, da Funatura, Aurélio Pavão, do Ministério de Minas e Energia, Meiry Gobira, da Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Turismo, Luciano dos Anjos, do Instituto para o Desenvolvimento Social e Ecológico (Usina Coruripe) e da artesã Keila Fábia.
Com apoio da Agência de Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Vale do Urucuia e parceiros, a Fundação
Banco do Brasil investiu, desde 2005, cerca de R$ 5 milhões em tecnologias sociais e projetos de apicultura, fruticultura e frutos do cerrado, mandiocultura, artesanato e turismo, além de ações de mobilização e de capacitação técnica e gerencial, integrantes do Projeto de Desenvolvimento Sustentável Urucuia Grande Sertão.

O território do Vale do Urucuia é marcado por profundas contradições socais. Grande parte de sua população encontra-se próxima à linha da pobreza, sofrendo com as precárias estradas de terras, baixa cobertura de telefonia fixa e sinais de celulares, pouquíssima eletrificação rural, alto índice de analfabetismo, baixa média de escolarização, insuficiente sistema de saneamento urbano e rural e, principalmente, baixo capital social.
Localizada no entorno do Parque Nacional Grande Sertão Veredas e circuito turístico Urucuia Grande Sertão, a região tem na agricultura familiar, no artesanato e no turismo eco-cultural regional alternativas e possibilidades para o desenvolvimento sustentável e a melhoria da qualidade de vida das comunidades locais.

Os dez municípios abrangidos pelo projeto são: Arinos, Bonfinópolis, Buritis, Chapada Gaúcha, Formoso, Pintópolis, Riachinho, São Romão, Uruana de Minas e Urucuia, em Minas Gerais.

 
 
 
Mais informações

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