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Especialista defende a introdução do tema “envelhecimento” nos currículos escolares "A idade não é aquela que a gente tem, mas a que a gente sente". A frase do escritor Gabriel Garcia Marquez citada pelo assistente social e doutor em Sociologia, Vicente Faleiros, tornou-se ainda mais significativa nos dias de hoje. Atualmente, no Brasil, a população idosa é o grupo que apresenta as taxas mais elevadas de crescimento. Para atender a este novo quadro, Faleiros assegura que a participação do Estado, sociedade e família são fundamentais para a garantia da qualidade de vida das pessoas com mais de 60 anos. O especialista defende, ainda, a introdução do tema envelhecimento nos currículos escolares, por considerar a educação importante para o diálogo entre gerações. Segundo dados do “Diagnóstico do Envelhecimento no Brasil” - estudo feito por Faleiros -, em 2015 o Brasil terá cerca de seis milhões de pessoas com mais de 80 anos. Leia, abaixo, a íntegra da entrevista concedida pelo especialista. MDS - Quais os principais avanços alcançados com a implantação do Estatuto do Idoso no Brasil? Faleiros - O Estatuto da Pessoa Idosa é uma lei que particulariza, para essa faixa etária, os direitos fundamentais previstos na Constituição. Considera o envelhecimento um direito personalíssimo e sua proteção um direito social (art.8°). Em consequência define a garantia de prioridade para a pessoa idosa, os direitos à vida, à dignidade, à seguridade social, ao esporte, ao lazer, à cultura, à moradia, num sistema de proteção. Define as obrigações das instituições para idosos e prevê sanções em caso de violação de seus direitos. MDS - A população idosa é o grupo que apresenta, atualmente, as taxas mais elevadas de crescimento no Brasil e em outros países. O que significa esta mudança de perfil e a que se atribui este envelhecimento da população? Faleiros - Em três décadas a proporção de idosos será igual à de crianças e adolescentes no Brasil. A longevidade é uma conquista social, com suas vantagens e suas exigências. O impacto de uma população idosa não se traduz em algo negativo, mas em estímulo ao consumo, ao turismo, à criação de emprego de cuidadores, à vida cultural,ao convívio intergeracional. MDS - O Brasil está preparado para atender a esta população? Faleiros – Não, mas como ela previsível, o planejamento de ações pode ser feito de acordo com a legislação vigente. Cada município precisa trabalhar nos próximos quatro anos para definir, alocar recursos e executar um plano para as pessoas idosas, conforme sua realidade e as orientações do Plano Internacional sobre Envelhecimento aprovado em Madri em 2002. Existem normativas federais que definem parâmetros e políticas para a pessoa idosa, mas a execução de ações depende dos municípios. A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) garante o Benefício de Prestação Continuada de Assistência Social (BPC) aos idosos pobres. A Previdência Social garante aposentadorias e pensões a 80% dos idosos e o SUS e a Saúde da Família atendem a grande maioria dessa população. MDS - Quais são, então, as necessidades do País em relação as cuidados com seus idosos? Faleiros - Temos que nos preocupar tanto com a prevenção de doenças como com o atendimento adequado da população dependente, que vai crescer. Como preconiza a ONU é necessário que se promova o envelhecimento ativo, que compreende tanto a participação dos idosos na sociedade e nas políticas como a atividade física e vida saudável. É ainda fundamental que nos eduquemos devidamente para conviver com uma população idosa sem discriminação, ou seja, com respeito à dignidade da pessoa que envelhece. MDS - Quais os avanços que a Política Nacional do Idoso traz para esta parcela da população? Faleiros - A Política Nacional da Pessoa Idosa (PNI), aprovada pela Lei 8842/1994, preconiza a participação dos idosos e a integração das políticas. A implementação dos conselhos de direitos da pessoa idosa está avançando nos municípios. O Conselho Nacional de Direitos da Pessoa Idosa (CNDI) existe desde 2002 e existem Conselhos Estaduais. Em 2006 foi realizada a Iª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa com mais de 700 pessoas e foi elaborado o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência contra Pessoa Idosa. Várias pesquisas, dentre as quais a que coordenei sobre violência, estão sendo realizadas. No Brasil já existem quatro mestrados de gerontologia/geriatria. A Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) tem contribuído para fazer avançar o conhecimento nessa área. Alguns municípios estão promovendo um trabalho em rede e implementando serviços especializados. MDS - Qual o papel do poder público na questão? E o da sociedade? Faleiros - Estado, sociedade e família são co-partícipes na questão da proteção à pessoa idosa. Estamos convivendo com profundas mudanças na família, que tem sido a âncora histórica dessa proteção. Hoje a rede primária da família, mais reduzida e com novos arranjos da conjugalidade, não dá conta do cuidado necessário aos idosos. Por isso, a rede pública de serviços é fundamental e precisa estar articulada numa diversidade de serviços que vai desde o atendimento em domícilio, aos centros de convivência, centros dia, hospitais dia, hospitais, instituições de longa permanência. A iniciativa privada também precisa oferecer residências adaptadas e com projetos adaptados às pessoas de mais idade. A política de acessibilidade precisa ser implementada nas cidades, nas ruas, nos edifícios, de forma inclusiva para toda a população dependente. Os descontos em espetáculos e isenção de pagamento no transporte podem promover trocas sociais e contribuir para diminuir o isolamento. MDS - Como o senhor avalia a rede de proteção social que vem sendo implantada pelo Sistema Único de Assistência Social (SUAS) para garantir os direitos do idoso? Faleiros - A implementação dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e dos Centros Especializados de Assistência Social (CREAS) é fundamental para desenvolver o acesso aos benefícios, promover projetos com as pessoas idosas, conforme a realidade local, e prestar serviços especializados como o enfrentamento da violência contra a pessoa idosa. A visão territorial do SUAS leva em conta a diversidade de condições em que vivem os mais velhos, pois o envelhecimento se dá na desigualdade de classes, de condições sociais, de histórias familiares. A atual “coorte” de idosos ainda tem baixa escolaridade e contribui muito com sua renda para manter os descendentes desempregados. MDS - Muito tem se falado que, em breve, haverá mercado extenso para os chamados “cuidadores de idosos”. O senhor concorda? Faleiros - A demanda por cuidadores vai crescer, mas é preciso pensar em profissionais especializados como gerontólogos e geriatras nos serviços já existentes. Como as famílias estão em condições difíceis de cuidar devidamente dos idosos, é necessário uma política articulada em rede para atendimento e que contrate pessoas para serviços coordenados como atendimento diversificado em domicílio. MDS - Como o senhor vê as instituições destinadas a abrigar idosos no Brasil? Faleiros - No Brasil há relativamente poucos idosos em instituições, apenas 1%, comparado com outros países. Há uma diversidade de instituições, mas a maioria tem a marca da filantropia. É preciso um protocolo para seu funcionamento, apoiado nas Normas da ANVISA e apoio para que os serviços sejam decentes. A fiscalização das mesmas está melhorando tanto pelo Executivo como pelo Ministério Público. MDS - De acordo com estudos, os idosos são freqüentemente vítimas de insultos e espancamentos. O que leva alguém a agredir um idoso? Faleiros - A questão da violência precisa ser vista na sociedade e na família. Existe o "idadismo", o preconceito em relação à idade na consideração do velho como descartável, incapaz ou atrasado. Por exemplo, na família, muitas vezes ele não é ouvido para dar opiniões, escolher o lugar de estar, ou mesmo o programa de televisão. A violência é potencializada pelo desemprego, pelo alcoolismo ou uso de outras drogas, a baixa escolaridade e dependência do agressor em relação ao idoso e também pela história familiar de violência. Recomendo a leitura do trabalho "Violência contra a pessoa idosa: ocorrências, vítimas e agressores", publicado pela Editora Universa da Universidade Católica de Brasília e que resulta de uma pesquisa por mim coordenada. MDS - Pela sua experiência e estudos na área, que pontos o senhor destacaria como fundamentais para assegurar qualidade de vida ao idoso? Faleiros - As pessoas idosas precisam de renda, acesso e serviços de saúde, de trocas sociais e de projetos de vida. A velhice é uma etapa da vida com desenvolvimento social e pessoal. Não se termina o desenvolvimento quando se chega à velhice. As pessoas, a sociedade e o Estado precisam compreender isso. MDS - O envelhecimento da população gera um impacto na família e na sociedade. Como preparar a sociedade para este quadro? Faleiros - A educação tem um papel fundamental. As escolas precisam propiciar maior convivência entre gerações, pois as atuais gerações de crianças e adolescentes vão envelhecer um dia. O envelhecimento deve fazer parte da transversalidade dos currículos escolares com uma visão realista de uma etapa da vida em desenvolvimento e não como uma infantilização (vovozinho pra cá, vovozinha pra lá) ou supervalorização do idoso . O idoso precisa re-aprender constantemente a conviver com as novas gerações e a família deve estar aberta ao diálogo das necessidades dos idosos e dos jovens. MDS - Existe ainda muito preconceito em relação ao idoso. Como o senhor considera a questão? Faleiros - Todo preconceito é grave pois parte do pressuposto de que o outro deva ser igual ao que penso ou idealizo e não como sujeito de direitos, cidadão merecedor de respeito. O desrespeito é o fundamento do preconceito e significa a falta de consciência do outro, de sua história, de sua palavra, de sua opinião, de sua divergência. Ouvir o velho, o louco, a criança, o pobre e dar expressão a sua palavra, a seus projetos e a suas propostas são formas de combater o preconceito. MDS - O senhor destacaria alguma frase que resumisse o que significa a pessoa idosa para a família, comunidade e para o País? Faleiros - Lembro-me de uma frase de Garcia Marquez: "a idade não é aquela que a gente tem, mas a que a gente sente". * Vicente de Paula Faleiros é assistente social, doutor em sociologia, professor titular aposentado da UnB, professor da Universidade Católica de Brasília, além de autor, consultor e poeta.
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