Discurso do ministro Patrus Ananis
Abertura da XV Reunião de Ministros e Autoridades do Desenvolvimento Social do Mercosul e Estados Associados




Nós estamos revisando este encontro do Mercosul Social e do Fórum de Ministros dos países do Mercosul e dos países agregados que integram hoje basicamente os países da América do Sul um momento importante, momento relevante que nós estamos vivendo no contexto mundial. Certamente será um ponto aqui nas nossas reflexões.

Além da vizinhança fraterna, nossos países compartilham fortes laços históricos e culturais. E compõem um rico mosaico de identidades e culturas nacionais.

Compartilhamos, em graus diversos, problemas persistentes em nossos processos de formação nacional e continental, como a pobreza e a desigualdade social. Mas também temos recursos para oferecermos a nossos povos níveis mais elevados e mais dignos de desenvolvimento humano.

A integração cada vez maior de nossos países é uma prioridade da política externa brasileira. Nossas potencialidades se complementam e nos fortalecem mutuamente. Além da integração econômica, precisamos reforçar cada vez mais a elevação das condições de vida de nossa população, em particular nossos cidadãos em situação de maior vulnerabilidade e submetidos às privações inaceitáveis da pobreza e da exclusão social. Afinal, o desenvolvimento deve ser entendido em sua integralidade, como um processo no qual o crescimento econômico, mais do que um fim em si mesmo, é um meio para promovermos melhores e mais justas condições de vida às nossas populações.

No Brasil, as políticas de desenvolvimento social e agora também políticas de desenvolvimento ambiental, de desenvolvimento cultural estão cada vez mais fortes e vinculadas ao desenvolvimento econômico, garantindo inclusive a sustentabilidade social, ambiental das políticas econômicas. Estamos colocando no passado as práticas clientelistas, os favores, o assistencialismo e a desestruturação de serviços públicos e estabelecendo uma efetiva rede nacional de proteção e promoção social.

Em 1988, a Constituição Brasileira, então foi nos dada há 20 anos, no período posterior a ditadura , colocou pela primeira vez em nossa história a seguridade social no campo das políticas públicas. As políticas voltadas para os pobres e excluídos deixaram de ser um favor e passaram a ser direito de cidadania e dever do Estado. No entanto, apesar de algumas leis importantes no início dos anos 90 do século passado, como por exemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei Orgânica da Assistência Social, a sistematização das políticas de saúde, implantação do Sistema Único de Saúde, no obstante estes avanços, naquela época as políticas sociais foram esquecidas ou secundarizadas dentro dos marcos do governo neoliberal. O econômico prevaleceu em relação ao social, num período marcado pelo neoliberalismo, pela danificação do mercados e pela tentativa desmonte do Estado. A idéia do Estado mínimo, um Estado desnecessário.
Foi somente em 2003, com o primeiro mandato do presidente Lula, que as políticas sociais passaram a ter efetivamente prioridade: crescimento para todos, mas com opção preferencial pelos mais pobres. Temas que haviam sido ignorados, como a erradicação da fome e da desnutrição, o combate rigoroso à pobreza e a redução das injustiças e desigualdades sociais, ganharam lugar central nas ações, nas prioridades e nos investimentos do Governo. Hoje, o desenvolvimento social e o econômico se integram cada vez mais em nosso país.

As políticas públicas voltadas para o acolhimento e a emancipação das pessoas, famílias e comunidades pobres estão sendo normatizadas e integradas, como demonstram a implementação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e o Programa Bolsa Família.

O Sistema Único da Assistência Social integra os programas e ações de proteção e promoção social das três esferas de governo, no plano municipal, no plano estadual, provincial, no plano nacional efetuando a coordenação de ações numa perspectiva hierarquizada e territorializada, de forma a garantir o direito à assistência social em todo o território nacional.

Por sua vez, o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - instituído por lei federal em setembro de 2006, a lei orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional – é marcado pela intersetorialidade, ao reunir programas e ações centradas na promoção do direito humano à alimentação adequada de diferentes áreas de políticas, com ação fundada sobre a experiência e aprendizado da estratégia Fome Zero, abrangendo programas para o fortalecimento da agricultura familiar, equipamentos locais para facilitar o acesso a alimentos e água, dentre outras iniciativas. Lembrando aqui que o Fome Zero não é uma política social específica, é um conjunto de obras, ações, políticas sociais também envolvendo a sociedade ações governamentais e não governamentais que visam erradicar a fome e a desnutrição, assegurar o direito à alimentação com regularidade, qualidade, contidade no contexto de uma política de segurança alimentar e nutricional, se vinculam inclusive a questão da soberania dos nossos países. Garantir comida e estoques é uma condição fundamental para soberania e também vinculando o direito à alimentação com outros direitos sociais que possibilitem a constante emancipação do desenvolvimento das potencialidades, dos talentos das pessoas, famílias e comunidades que estamos atendendo.

A ampliação e a integração dessas políticas representam um passo importante para a consolidação do Estado de Bem-Estar no Brasil, garantidor de direitos de cidadania e promovedor de oportunidades iguais para todas as pessoas buscarem a plena realização de suas capacidades e de seus projetos existênciais.
Como eixo de integração desse conjunto de políticas, temos o Bolsa Família. Esse programa ampliou de forma significativa e colocou as políticas de transferência de renda no Brasil em outro patamar, visando a universalizar o recebimento do benefício entre os pobres. Com o Bolsa Família - presente hoje em todos os municípios brasileiros foi possível dar o mínimo de dignidade a mais de 11 milhões de famílias pobres no país – cerca de 45 milhões de pessoas.

Os recursos transferidos têm tido efeitos imediatos e significativos sobre as condições de vida da população pobre, ao promover o acesso a alimentos e o atendimento de outras necessidades básicas. E também sobre as economias locais, dado seu efeito dinamizador, principalmente nas comunidades mais pobres. Além do aspecto da dimensão ética, da justiça, do direito à vida, as pesquisas mostram também que nossos programas, como Bolsa Família, mas também outros, de apoio a agricultura familiar, programa de atenção aos idosos, de pessoas com deficiência, tem tido impacto em importantes economias locais porque as pessoas estão comprando e com isso estamos ampliando o nosso mercado interno de consumo.
As famílias devem cumprir contrapartidas de saúde e educação, voltadas para ampliar suas capacidades contribuindo para romper o ciclo intergeracional da pobreza. Como nós sabemos no Brasil é histórico, 500 anos de pobreza, questão indígena, escravidão. Nós temos no Brasil uma dívida social muito alta e essa dívida que nós estamos juntos com os países irmãos da América do Sul resgatando.

O Bolsa Família é um programa exitoso no Brasil e reconhecido internacionalmente. Mas é importante destacar que esse programa se insere no contexto de uma rede de proteção e promoção social, articulado às políticas de assistência social e de segurança alimentar e nutricional, de capacitação profissional e de geração de possibilidades de trabalho, emprego e renda.

Contudo, nossa tarefa não está terminada. Um desafio constante é a emancipação das pessoas para que possam buscar sempre novos horizontes. Por isso, o Governo Brasileiro está trabalhando com iniciativas como o Plano Setorial de Qualificação dos beneficiários do Bolsa Família, o PlanSeq Bolsa Família. Estamos capacitando membros de famílias beneficiárias do Bolsa Família para atuarem nas oportunidades geradas pelos investimentos em infra-estrutura do Programa de Aceleração do Crescimento Econômico, o PAC. Cerca de 185 mil beneficiários deverão iniciar sua capacitação em 2008.

Os dados mostram que estamos obtendo avanços inéditos – pela primeira vez, experimentamos um ciclo de crescimento econômico com justiça social. De acordo com a Fundação Getúlio Vargas, o percentual de nossa população em situação de pobreza passou de 28,03 % em 2003 para 18,11 % em 2007. Também a desigualdade vem caindo nesse período, como demonstra a significativa queda do índice de Gini. Em 2005, o Brasil atingiu a Meta do Milênio de reduzir a extrema pobreza pela metade até o ano de 2015, ou seja, com dez anos de antecedência e, por essa razão, ampliamos nossa meta para redução a um quarto do percentual de pobres que havia no Brasil em 1990 e também assumimos o compromisso de erradicarmos a fome e a desnutrição.

Os resultados positivos nos animam a seguir em frente. As políticas sociais não só devem ser permanentes, como devem ser cada vez mais vigorosas, aperfeiçoadas e empenhadas para que tenhamos um Estado do Bem-Estar Social abrangente, sólido, que assegure um patamar comum de direitos e oportunidades iguais para todos. À medida que as pessoas, as famílias e as comunidades pobres melhoram suas condições de vida, as políticas sociais devem ser ampliadas, expandindo também possibilidades e direitos. Sempre numa perspectiva de alcançarmos na sociedade fundada também no principio da igualdade.

Falar em direitos e oportunidades iguais é falar, sobretudo, do direito à vida, não o direito à vida como abstração, algo teórico como se coloca no pensamento liberal, mas como algo muito concreto que se traduz no cotidiano como direito à alimentação adequada, à assistência social, à moradia, à água potável, ao saneamento básico, aos cuidados preventivos e curativos, à atenção à saúde, ao trabalho.

Essa concretude do direito à vida é o grande princípio, é o grande fator coesionador, organizador, estruturante da sociedade que estamos buscando construir no Brasil e tenho certeza nos países irmãos da América do Sul, e também de toda a América Latina, do Caribe e em todo o mundo. É imprescindível trazer esse valor como valor fundante e organizador da sociedade brasileira. Em outras palavras, fundarmos um novo princípio civilizatório: à vida e não à propriedade, à vida e não o dinheiro como bem maior de uma sociedade civilizada ou não. O direito de propriedade é uma conquista civilizatória. Nós queremos a participação efetiva do setor privado, dos empresários. Deixar claro que o direito à propriedade está limitado pelo princípio histórico, clássico da função social da propriedade de lucro. O direito de propriedade deve está subordinado as exigências superiores de direito à vida e o bem comum nacional.

A erradicação da fome e da miséria é um desafio a ser vencido por toda a humanidade, o que somente será possível com a cooperação e o compromisso de governos, organismos multilaterais e atores da sociedade civil internacional.

Dada a situação atual de grave crise financeira mundial, temos que ficar atentos e agir de forma tempestiva para que nossas populações – e principalmente, seus segmentos mais pobres e vulneráveis – não venham a sofrer as conseqüências da ação especulativa que, por muito tempo, enriqueceu os mais os ricos. Que a conta agora não seja apresentada aos pobres.

Não podemos pagar a conta pelo fracasso do modelo neoliberal – tão propagandeado em nosso continente, principalmente nos anos 80 e 90 do século passado, mas ainda presente - que apostou no Estado mínimo, no mercado sem regulação, na redução das políticas sociais – acusadas de serem obstáculos ao crescimento econômico.

Não podemos permitir, ainda, que a gravidade da crise financeira mundial ofusque e diminua a atenção para problemas como a miséria e a fome – que, não somente continuam existindo, apesar dos avanços, mas podem se agravar na atual conjuntura. A crise foi gerada no centro do sistema capitalista; ela parte dos países mais desenvolvidos para atingir, de maneira ameaçadora, as economias de países mais pobres e dos chamados emergentes, daqueles que estão conseguindo organizar e promover o crescimento, como é o caso do Brasil, como é o caso de todos os países aqui presentes.

O enfrentamento da crise deve ser planejado de modo a manter um patamar razoável de justiça social para que os mais pobres não paguem a conta. A gravidade da situação impõe ao mundo a necessidade de refletir sobre o momento que estamos vivendo, para buscar alternativas mais sustentáveis de desenvolvimento, na qual os países devem ser respeitados em sua soberania.
Da mesma maneira, internamente os países precisam resguardar os mais pobres, em função de um compromisso ético de defesa da vida, mas também como forma de reagir ao problema. A crise externa é sobretudo de liquidez e os efeitos se propagam em cadeia. Bancos e grandes investidores, na incerteza, migram para investimentos mais seguros, financiando menos as empresas e emprestando menos às pessoas.

Isso significa menor oferta de crédito interno, que por sua vez significa menos consumo; por conseqüência, as vendas se reduzem e cai a produção e cai também a qualidade de vida das pessoas que não têm ainda acesso a bens e serviços básicos. Ou seja, a crise financeira chega ao mundo real, e é na segunda parte dessa seqüência que os efeitos se propagam para a maioria da população - porque menor produção gera menor crescimento e redução dos empregos e, conseqüentemente, da renda.

Em momentos de crise é que o Estado deve atuar de forma mais vigorosa para proteger a população, principalmente os mais pobres, de seus efeitos negativos.

Sob o aspecto ético e humano, a manutenção das políticas sociais impede que a fatura chegue até os que não têm como pagar. Mas mesmo do ponto de vista instrumental, manter o consumo das classes pobres é uma alternativa para buscar saídas dessa situação. Certamente não se apresenta como solução única definitiva, mas reduz os impactos negativos, dado o efeito multiplicador das transferências de renda às famílias pobres sobre a dinâmica da economia como um todo. Ou seja, os pobres comprando não têm aquecido algum nível da economia, especialmente as economias locais e regionais.

No Brasil – e acredito que também em grande parte dos países de nosso continente - ainda por muito tempo serão demandados maciços investimentos sociais para fazer frente à nossa histórica e profunda dívida social. Todavia, a relação de custo e benefício é altamente favorável para todos, na medida em que tais investimentos contribuem para a inclusão social e fortalecem a noção de solidariedade e de pertencimento, reforçando as bases para um desenvolvimento integral, sólido e sustentável.

Estou confiante de que avançaremos muito nesta reunião, inclusive na perspectiva de implantarmos o nosso Instituto Social do Mercosul e que alcançaremos consensos importantes a serem levados ao Conselho do Mercado Comum, em dezembro, visando a estabelecer um processo compartilhado de desenvolvimento integral aos nossos povos irmãos. Muito obrigado e tenhamos um bom trabalho.

Assessoria de Imprensa do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
Tel.: (61) 3433-1021