Do trabalho braçal para a delicada arte culinária

Em Toledo (PR), agricultoras acostumadas ao trabalho pesado na lavoura e na pecuária se tornam também fabricantes de bolachas. O produto é adquirido, inclusive, pelo Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

 

Fotos: Adriana Scorza / MDS  

Foto Esquerda: Luci Mayer (à dir) e suas companheiras: sem diploma, mas com muito aprendizado e vitórias a comemorar.

Foto Direita: Todos os equipamentos utilizados na Fábrica de Bolachas foram adquiridos pelas agricultoras.

 

“Sou a mais nova de cinco irmãos e o meu sonho sempre foi estudar. Queria estudar Medicina. Como meus irmãos ganharam terra, eu não ganhei estudo, ganhei terra também. Isso mexeu comigo a vida inteira. Daí casei - tenho duas filhas - mas quando elas traziam livros da escola para casa eu lia tudinho, de tanta vontade que sempre tinha de ler, de estudar”. Essa é a história da Luci Mayer, contada por ela mesma. Agricultora, Luci também é integrante da Fábrica de Bolachas da Linha 14 de Dezembro, uma localidade que fica no Distrito de 10 de Maio, área rural de Toledo (PR).

Em 2006, após reunião com agricultoras locais, a Prefeitura e a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) iniciaram um trabalho com 11 mulheres na nova Fábrica de Bolachas. “Vieram nos procurar, pois sabiam que era uma comunidade muito unida e já conheciam o nosso trabalho, porque fazer bolacha era uma atividade que cada uma já fazia em casa, para a própria família; já sabiam do nosso produto”, explica Luci. “Fomos ampliando aos poucos, pois fazer uma receita pequena e depois multiplicar em 10, 15, 20 vezes foi muito difícil. Mas tivemos muito apoio da Prefeitura e da Emater”, conta ela.

Essas agricultoras, que sempre trabalham na lavoura e também na pecuária, viram sua renda melhorar com mais essa atividade – a fabricação de bolachas em escala comercial. Cada uma das atuais sete integrantes da fábrica recebe, em média, um salário mínimo mensal por um dia de trabalho na semana. Elas calculam que, desde o início do projeto, já faturaram mais de R$ 100 mil com a venda das bolachas.

Inicialmente, eram fabricados 180 quilos, por semana, e hoje a produção chega a 205 quilos. Por semana, são vendidos 152 quilos ao Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA) - coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) - e os outros 53 quilos vão para 18 creches e para a venda na feira.

Luci e suas seis companheiras trabalham somente às segundas-feiras, durante todo o dia. Às terças-feiras, no máximo até as 10h30, as bolachas têm que estar na Cozinha Social, que é o ponto de recebimento do PAA. A comercialização na feira acontece às quartas e quintas-feiras.

Todos os equipamentos foram adquiridos pelas agricultoras. “Quando começamos, cada uma entrou com um pouco de recurso e fomos comprando as coisas. Primeiro, cada uma trazia um pouco de casa, mas agora já estamos com tudo comprado”, conta Luci Mayer. A construção do galpão, onde está instalada a fábrica, foi feita em parceria com a Prefeitura de Toledo. “Aqui temos todos os utensílios que usamos na fabricação, o forno e as fôrmas para fazer a massa, a receita, a cobertura”, explica ela, que conta como o trabalho é organizado: “cada uma tem a sua função. Eu faço a parte final, peso tudo e já destino a medida exata para cada entidade porque o produto sai dali para o PAA, mas tudo já com etiqueta e peso. Tem o horário de entrega para o Programa e outro horário em que as entidades assistenciais recebem”.

Luci - a fabricante de bolachas que queria estudar - conta que essa oportunidade, quando apareceu, foi tão importante que, às vezes, ela e suas companheiras ficavam noites e noites multiplicando as receitas para chegar a quantidades maiores do que estavam acostumadas. “Pensávamos, nós aqui sentadas, multiplicando, dividindo, somando: é a mesma coisa que estar sentada num banco de uma faculdade e ter um estudo. Agora, a única diferença é que não temos o diploma, mas temos a conquista, a vitória, temos tudo na mão. É praticamente um estudo, um aprendizado para nós também. Acho muito gratificante, porque além de agricultora, já trabalhei em tudo na minha vida, com boi, com trator, pois meus pais eram muito doentes e agora, de repente, vim de um trabalho braçal fazer uma coisa tão delicada”, completa Luci.

O incentivo que não teve para os estudos, Luci não deixou faltar às filhas. Sua mais velha está concluindo a faculdade de Administração, neste ano. A mais nova parou com os estudos porque teve um bebê e está trabalhando, mas atualmente está fazendo cursinho e pretende entrar numa faculdade. E para quem acha que Luci deixou de lado a vocação para estudante, vai aqui uma novidade: “Quero fazer um curso de Enfermagem para cuidar de idosos, que é hoje o meu grande sonho”, conta ela.

A coordenadora da Fábrica de Bolachas, Alice Engelsing, comemora o fato de ter uma atividade que lhe permita continuar vivendo num local tranquilo, sem a necessidade de ir em busca do mercado de trabalho das grandes cidades: “Nem pensar em sair daqui. Hoje em dia, temos o conforto de uma cidade e até um pouco mais. Estamos morando no interior, temos acesso ao telefone, luz, internet, tudo. Hoje na agricultura não tem mais diferença entre o campo e a cidade. Da minha parte, acho bem melhor no interior; pra mim é tudo. Não penso em ir para a cidade, como outras pessoas fizeram, vender a propriedade e ir para a cidade procurar emprego, que às vezes nem sempre dá certo. Eu, sair daqui, jamais”.

Valério Engelsing, marido de Alice, é presidente da associação de agricultores da Linha 14 de Dezembro. Ele planta soja, milho e trigo; cria suínos, gado de leite e frangos caipiras. Engelsing é também grande incentivador da esposa na fábrica. “Além das bolachas serem deliciosas, o galpão onde fica instalada a fábrica serve também como um local de convívio, o nosso segundo lar, onde fazemos palestras e nos divertimos”.

Segurança alimentar e nutricional – O Município de Toledo possui quatro Restaurantes Populares financiados pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e foi habilitado, por meio de um novo edital público da Pasta, a receber apoio financeiro para a construção de mais um. Nestas unidades são servidas 1,4 mil refeições diárias, de segunda a sexta-feira, ao custo de R$ 1,50. Com a próxima inauguração, serão mais 400 refeições por dia.

As refeições são preparadas na Cozinha Social, que atende também 14 escolas municipais, 16 creches, 17 instituições de idosos, sete programas sociais e 23 grupos atendidos pela Pastoral da Criança com o fornecimento de refeições e lanches. Na Cozinha também é produzido leite de soja - in natura ou com sabor - entregue para entidades e grupos de hipertensos e diabéticos que necessitam de uma alimentação especial. Esta produção chega a 11,3 mil litros por mês.

O PAA – modalidade Compra Direta – conta com 360 agricultores cadastrados que produzem e fornecem alimentos que são utilizados para a produção das refeições servidas nos restaurantes e para o atendimento
de 12 entidades assistenciais de Toledo.

Investimentos - Mais de 13 milhões de pessoas foram beneficiadas, em 2008, pelos programas de segurança alimentar e nutricional coordenados pelo Ministério. Os investimentos somam R$ 618 milhões nos programas de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA); de equipamentos públicos, como Restaurantes Populares, Bancos de Alimentos e Cozinhas Comunitárias; de Cisternas; de Agricultura Urbana e Periurbana; de Mercados Populares; de Educação Alimentar e Nutricional; e de distribuição de cestas de alimentos.

Em 2009, por meio de editais públicos ou convênios, o MDS investe cerca de R$ 707 milhões em todo o País. Foram publicados 12 editais, abrangendo todos programas de segurança alimentar e nutricional.

Adriana Scorza

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