Os pequenos cidadãos atendidos pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) participam de atividades socioeducativas, que agora são monitoradas. No interior do Piauí, por exemplo, as crianças do programa tomaram gosto pela arte com o Grupo Musical Tia Zezé
“A criança e o adolescente têm direito à informação, cultura, lazer, diversões, espetáculos e produtos e serviços que respeitem sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.” É o que defende o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no artigo 71. Na data em que se comemora o Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil - 12 de junho – eis algumas histórias que fazem jus ao que determina o Estatuto.
Shyrleanny Costa de Sousa tem 13 anos de idade e mora no município de Fronteiras, interior do Piauí. Aos 10 anos, a garota trabalhava como babá. Ela conta que o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), garantiu o seu direito de não trabalhar e, ainda, de se envolver com a arte: em especial, a música.
Filha de pais separados – o pai é ajudante de pedreiro; a mãe, doméstica – Shyrleanny integra há dois anos o Grupo Musical Tia Zezé, formado por 60 crianças e adolescentes que foram retirados do trabalho infantil graças ao PETI, pelo qual cada um deles recebe uma bolsa que varia entre R$ 25 e R$ 40 por mês, além de participar das aulas de reforço escolar e de outras atividades desenvolvidas, como as musicais. “Eu não gostava do que fazia (ser babá). Apenas ganhava alguma coisa pra ajudar em casa”, relembra.
Estudante da 8ª série do Ensino Fundamental, Shyrleanny toca bateria e pretende aprender guitarra, zabumba, tarol... Perguntada sobre a quantidade de instrumentos diferentes que pretende tocar, ela apenas dá risadas e diz: “... quero ser professora de música, preciso conhecer os instrumentos”. Longe de sua experiência precoce como babá, Shyrleanny afirma que sua satisfação é compartilhar com os colegas o prazer proporcionado pela música. “Eu sempre gostei de música, mas nunca tive oportunidade como tenho agora”, alegra-se.
Outras histórias - Em outra parte do País, no município de Formosa, interior de Goiás, mora outra garota com história semelhante à de Shyrleanny. Quando tinha 10 anos de idade, Naiara dos Santos ganhava R$ 50 por mês para cuidar de uma criança de quatro anos. Mas, a vida de pequena trabalhadora ficou no passado da menina, agora com 14 anos. Ela e mais 911 crianças e adolescentes do município goiano fazem parte do PETI.
No período em que não estão na escola, Naiara e dois dos seus cinco irmãos freqüentam uma das 10 unidades do PETI de Formosa. Ali, as crianças aprendem capoeira, canto, noções de informática, praticam esportes e recebem reforço escolar. Há também uma unidade odontológica. “Temos passeios, coral e capoeira. Fazemos novos amigos. Já fiz computação e recebi o diploma. Gosto muito”, diz a menina, que já cursa a primeira série do Ensino Médio.
Segundo a coordenadora do PETI em Formosa, Sizélia Abreu, a maioria das crianças atendidas trabalhava como engraxates, lavadores de carros, vendedores de picolés, catadores de latinhas ou agricultores. Ela conta que o encaminhamento, em grande parte, é feito pelo Conselho Tutelar, que orienta as mães. “Não é raro as próprias mães e pais de crianças em situação de trabalho infantil procurarem o poder público, ao saber da existência deste programa”, explica.
Levantamentos realizados pela administração do município mostram uma redução de 60% no índice de reprovação escolar das crianças do PETI na área rural. Em Formosa, das 912 crianças e adolescentes atendidas, 872 são oriundas de lares beneficiários do Bolsa Família, também coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
Fronteiras - Trabalhar em feiras livres e carregar sacos de frutas são atividades para adultos, exceto no caso de Franscisco Arlesson Lopes de Sousa. Antes de 2006, quando passou a fazer parte do PETI em Fronteiras (PI) e também do Grupo Musical Tia Zezé, ele ajudava financeiramente em casa com os trocados que ganhava nas feiras livres. Hoje, aos 15 anos, o seu orgulho é tocar trompete. “Tenho vontade de aprender a tocar diversos instrumentos e me profissionalizar na música. Quando não estou na escola e quando não estou nas atividades específicas, aproveito para estudar música”, diz Francisco, que é estudante da 7ª série e mora com os pais e seus dois irmãos.
Assim como Shyrleanny e Francisco Arlesson, mais uma criança no município de Fronteiras foi retirada do trabalho infantil e hoje integra o Grupo Musical Tia Zezé. Aos 14 anos, Ana Patrícia da Conceição toca saxofone. Antes disso, quando ainda tinha 10 anos, trabalhava na agricultura, cuidando de plantações, assim como a mãe, que trabalha na roça. “Para mim, tudo isto aqui (tocar saxofone, participar do PETI) é minha nova vida. Meu sonho é me aperfeiçoar no saxofone e aprender flauta e violino”, afirma a estudante da 8ª série. Para Ana Patrícia, há duas matérias favoritas na escola: história e artes. Com a voz tímida e de maneira despretensiosa, ela diz: “nasci de novo”.
Coração de estudante – Por trás da história de crianças que tiveram a oportunidade de mudar de vida, no esforço para que seus direitos não mais sejam violados, há pessoas que contribuem diariamente para o combate ao trabalho infantil. Com apenas 23 anos de idade, o músico autodidata José Claiton Pereira é responsável por todo acompanhamento musical do grupo Tia Zezé, belo exemplo que vem do interior do Piauí. Admirador de Milton Nascimento, Cássia Eller e Tim Maia, ele conta que sua paixão pela música começou há mais de sete anos. “Meu contato com a música começou na adolescência. Assim como um dia eu tive a oportunidade de aperfeiçoar meu talento, quero dar a essas crianças a mesma chance. Infelizmente, em nossa região, faltam oportunidades para os jovens”, diz Claiton, referindo-se, principalmente, à falta de cursos e faculdades de música em seu Estado.
A coordenadora do PETI em Fronteiras, Socorro Macedo, explica que a idéia de montar um grupo musical surgiu há alguns anos. De acordo com ela, sempre houve o imenso desejo de resgatar crianças e adolescentes que estão em situação de trabalho infantil e ensiná-las a beleza da música. “É gratificante sermos pioneiros de uma banda musical formada por crianças e adolescentes do PETI. Música é renascer, é vida, é alegria”, define. Emocionada e sem entrar em detalhes, até mesmo pelo trauma que viveu, Socorro revela que um de seus filhos morreu num acidente de moto, aos 19 anos. “Estes novos filhos (as crianças do PETI), para mim, são orgulho, são valores a quem me dedico até aos sábados e domingos. Nesta labuta diária, procuro preencher um vazio imenso que existe dentro de mim”, referindo-se à ausência do filho.
Com o apoio da Secretaria Municipal de Assistência Social e Cidadania (Sasc) de Fronteiras, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil atende aproximadamente 180 crianças e adolescentes fronteirenses. Em todo o Estado do Piauí, o atendimento se estende para mais de 30 mil beneficiários. Segundo dados de 2007 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população do município é de 11.054 pessoas, distribuídas numa área territorial de 790 km². Todos os 223 municípios piauienses executam o Programa.
SISPETI - Para assegurar que todas as crianças incluídas no programa participem das atividades, o Ministério do Desenvolvimento Social criou, em 2007, o Sistema de Controle e Acompanhamento das Ações Ofertadas pelo Serviço Socioeducativo (SISPETI). Dos 3.402 municípios com o PETI, 3.331 aderiram ao monitoramento informatizado. O SISPETI possibilita o combate mais eficaz a todas as formas de trabalho infantil, com o aprimoramento do programa e a melhoria na qualidade das atividades socioeducativas.
Em Formosa (GO), em Fronteiras (PI), e em 3.400 outros municípios brasileiros, os versos de Milton Nascimento ganham novo sentido no combate ao trabalho infantil: “E há que se cuidar do broto / Pra que a vida nos dê flor e fruto”.
Aline Menezes e Rogéria de Paula
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